“Tenho 29 anos. Ver pacientes mais jovens que eu sendo intubados é apavorante”, narra médica no RS
Profissionais, como Laura Kirsch, relatam cenas de colapso, extenuação física e mental e medo da piora no caos dos hospitais gaúchos, lotados pela explosão de casos de covid-19
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Pacientes com covid-19 cada vez mais jovens. Gente com falta de ar sendo atendida em cadeiras por falta de leitos até nas emergências. Há semanas o Rio Grande do Sul vive o drama do colapso do sistema de saúde ―que se expande em ritmo veloz para outras regiões do Brasil―, o que fez quadruplicar a demanda por leitos em unidades de terapia intensiva (UTI) no Estado, onde a taxa de ocupação permanece acima de 100% devido à pandemia. Apesar de o governador Eduardo Leite (PSDB) ter endurecido as medidas de restrições em meados de fevereiro, a autorização da reabertura do comércio nas cidades gaúcha, anunciada nesta sexta-feira, provocou uma onda de ansiedade e temor entre os profissionais de saúde, que já não têm mais onde atender pessoas infectadas pelo novo coronavírus. O Rio Grande do Sul é atualmente o quarto Estado com mais infecções confirmadas, com cerca de 700.000 casos, mas o Governo alega que os números vem diminuindo graças às medidas de isolamento social, o que possibilitou que o Estado autorizasse que cada Prefeitura decida sobre reabrir ou não os serviços não essenciais.
A cidade de Santa Maria (que tem cerca de 280.000 habitantes) bateu a marca de 100% de leitos de UTI ocupados na última quarta-feira e, assim, começa a recrutar médicos residentes de outras especialidades para ajudar nos atendimentos críticos. “São pessoas com formação em psiquiatria, em radiologia... Olha o quadro a que chegamos”, afirma o médico Ricardo Heinzelmann, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, que atua no hospital escola da Universidade Federal de Santa Maria. “Infelizmente a gente vê que não consegue fazer o melhor pelo paciente”, afirma o coordenador médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Bom Jesus, em Porto Alegre, Alexandre Bublitz.
Além de parte dos profissionais da linha de frente hoje não serem especializados no atendimento intensivo, a sobrecarga de trabalho a que estão expostos médicos, enfermeiros e outros profissionais da área compromete o resultado dos atendimentos. Um relato que não difere muito entre aqueles que trabalham em hospitais da rede particular. “Por mais que a gente se esforce, aqui não é UTI. Temos protocolos e auxílio dos intensivistas, mas oferecer uma qualidade assistencial com a excelência que somos treinados para fazer é muito difícil”, afirma a médica emergencista Laura Zaparoli Zanrosso, do hospital privado Moinhos de Vento, na capital gaúcha.
Segundo os médicos, os pacientes não conseguem descansar nas UTIs improvisadas em salas e emergências porque os equipamentos não oferecem o conforto necessário, há barulho permanente e o tempo todo morre alguém ao lado. “Eles tem um olhar de medo e de solidão, porque apesar de ter gente em volta não conseguem estar perto da família”, completa Bublitz.
Há outros fatores de estresse. “Eu tenho 29 anos, ver pacientes mais jovens do que eu sendo intubados é apavorante. Temos várias pessoas na faixa dos 20 anos, muitas gestantes com quadros graves”, lamenta Laura Bonetti Kirsch, residente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
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A médica Laura Maria Brenner Ceia Ramos Mariano da Rocha, que trabalha no Hospital Nossa Senhora da Conceição (na capital gaúcha) conta que presenciou um colega de trabalho ficar transtornado ao ter de intubar um rapaz de sua idade, com filhos na mesma faixa etária que os seus. “Eles conversaram antes da intubação e o paciente perguntou se veria os filhos de novo. O médico depois me disse que ficou pensando: ‘será que eu mesmo vou chegar em casa hoje, será que eu não vou morrer’?”, relata a emergencista, que ficou um período afastada para se tratar da covid-19. O Conceição é o maior hospital 100% dedicado ao SUS do Rio Grande do Sul.
No Hospital Moinhos de Vento, instituição privada que recentemente precisou comprar um contêiner para guardar corpos de vítimas da covid-19 diante da superlotação da morgue local, o drama é atender a própria família. “Ficou muito mais próximo da gente. Eu tive um plantão em que internei meu tio. É muito frequente termos familiares de colegas em atendimento. O desgaste é imenso”, revela a emergencista Laura Zaparoli Zanrosso. Até a sexta-feira, o RS somava 16.117 vidas perdidas para a doença no Estado.
Créditos El Pais
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