Pelas ruas de Porto Alegre: livro gratuito reúne 13 roteiros de turismo a pé
Apesar de ter nascido em Rio Grande, no litoral sul do estado, a jornalista e guia de turismo Maria Lúcia Badejo nutre seu amor pela Capital desde os 17 anos, quando chegou a Porto Alegre para o vestibular. A experiência de viajar e caminhar pelos lugares que visita despertou o interesse em trazer este tipo de turismo, as walking tours, para a cidade. Assim, escreveu o livro “Pelas ruas de Porto Alegre: um guia para conhecer o Centro Histórico caminhando”, que inclui 13 roteiros temáticos pela região central.
Financiada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, a obra terá distribuição gratuita, em formato impresso, livro digital e audiolivro. O lançamento do livro acontece na próxima quinta-feira (29), na Biblioteca Pública do Estado, e inclui sessão de autógrafos. A partir de 8 de julho serão realizadas 50 caminhadas guiadas, abertas ao público e com edições também direcionadas a escolas. As walking tours terão suas datas divulgadas em breve.
O Sul21 conversou com a autora sobre seu trabalho e destacou matérias sobre os locais ao longo dos anos. Confira:
Sul21: Conta um pouco do teu perfil, da tua vida até chegar ao ponto de planejar roteiros e efetivamente juntá-los em um livro.
Maria Lúcia Badejo: Sou jornalista formada pela UFRGS em 1986. Trabalhei em veículo, mas vi que não tinha perfil pra isso, então pedi demissão e montei uma editora em sociedade com um colega, que durou pouco. Em 1998, fundei a Badejo Editora, com foco em edição de livros e outras publicações. Hoje, com a ampliação das atividades a empresa se chama Badejo Empreendimentos Culturais, e uso a marca Badejo Experiências Culturais nas atividades relacionadas ao turismo.
Gosto de viajar, e acho que a melhor maneira de conhecer um lugar é caminhando. Em outras cidades e países tem muitas empresas e guias de turismo especializados em turismo a pé, e eu sempre adorei fazer walking tours quando viajo. Aqui em Porto Alegre não temos essa cultura, o que havia até há pouco tempo eram atividades e projetos pontuais promovidos por alguma instituição ou centro cultural. E muitas vezes eu tentava participar, mas as inscrições já estavam esgotadas.
A maioria dessas atividades não são conduzidas por empresas ou profissionais da área de turismo. Muita gente não sabe, mas guia de turismo é uma profissão regulamentada, e para exercê-la é preciso ter um curso técnico de pelo menos 800 horas e o registro profissional no Ministério do Turismo, chamado Cadastur.
Aí pensei: opa! Tem uma oportunidade aí. Porque se tem pouca oferta, e quando tem lota em seguida, é sinal de que uma empresa especializada em turismo cultural a pé em Porto Alegre tem boa chance de dar certo. Isso foi em 2018. Nesse ano, me matriculei no curso técnico em guia de turismo no Senac. Na metade de 2019 me formei e em novembro criei meu primeiro roteiro, Memórias da Praça da Alfândega. Só fiz uma divulgação orgânica no Facebook, criando um evento e convidando meus amigos. Mas um começou a convidar o outro e teve uma baita repercussão, então tive uma confirmação de que o meu feeling estava certo e segui com o projeto.
Então começou a pandemia e o turismo parou. Aproveitei esse tempo para pesquisar, estudar e criar roteiros. Nessa época também fiz uma especialização técnica em atrativos culturais pelo Instituto Federal do Paraná, então sou oficialmente guia de turismo especializada em atrativos culturais. Com o final da pandemia, o negócio deslanchou. Ainda é pequeno, mas a ideia é crescer de maneira sustentável.
Sul21: Qual é tua história com Porto Alegre?
Maria Lúcia: Eu sou de Rio Grande, no litoral sul, mas parte da minha família já vivia em Porto Alegre e eu vinha bastante desde a infância. Com 17 anos vim fazer o vestibular na UFRGS para Comunicação e até agora ninguém conseguiu me levar embora daqui.
Sul21: O que te atraiu no turismo da Capital?
Maria Lúcia: Infelizmente Porto Alegre está muito mal cuidada nas últimas gestões municipais, mas é uma cidade riquíssima em termos culturais. No imaginário local e nacional, o Sul do Brasil é “europeu”, mas Porto Alegre foi construída por negros e indígenas e essas culturas são fortíssimas aqui. Além disso, temos inúmeros bens culturais tombados nacionalmente, e a maioria da população nem sabe. Temos um potencial turístico enorme.
Um grave problema é que a cidade não é valorizada pelo poder público como destino turístico. As pessoas descem no aeroporto e vão direto para a Serra. Quem vem a Porto Alegre para grandes eventos, como shows e congressos, não tem uma oferta de turismo local.
Sul21: Tu considera que o porto-alegrense conhece a cidade em que vive, tanto do ponto de vista histórico quanto cultural e arquitetônico?
Maria Lúcia: Não. O que eu mais ouço nos meus tours são comentários do tipo: “nossa, eu passo por aqui todos os dias e nunca tinha reparado neste prédio”, “fazia uns 20 anos que eu não vinha ao centro”, “moro a vida toda em Porto Alegre e não conhecia essa história”.
É interessante que os porto-alegrenses são tão bairristas, mas desconhecem a própria cidade onde vivem. Claro que isso não é uma exclusividade de Porto Alegre, mas não temos o hábito de olhar para nosso patrimônio histórico e cultural.
Acho importante fazer um trabalho de educação patrimonial desde a infância. Tenho feito tours com escolas, e é muito bacana. No projeto teremos tours para alunos de escolas públicas justamente com esse propósito de formar cidadãos que conheçam, valorizem e cuidem do patrimônio cultural da cidade. Conhecendo a história e as histórias relacionadas aos espaços públicos, fica mais fácil entender, gostar e cuidar deles.
Sul21: Como foi o processo de formulação dos roteiros?
Maria Lúcia: Alguns dos roteiros que estão no livro eu já realizo há algum tempo, como Pequena história da Rua da Praia, Memórias da Praça da Alfândega, Marcas da ditadura. Outros são inéditos, como No tempo da Praça do Portão e Literatour: um passeio literário.
Para criar um roteiro eu geralmente penso em um tema que considero relevante, literatura, arquitetura, ditadura, por exemplo, pesquiso bastante em livros e conteúdo disponível na internet. Em alguns casos, tive a contribuição de especialistas também, como nos roteiros sobre culturas indígenas e africanas e diversidade religiosa.
Também penso na extensão e na geografia do percurso, para que não seja muito cansativo e ofereça o máximo possível de acessibilidade. Para isso sempre testo o roteiro mais de uma vez sozinha e faço adaptações quando necessário. No caso do livro, também tive o trabalho de escrita dos roteiros, que adicionou complexidade ao processo.
1) Pequena história da Rua da Praia: roteiro para começar a descobrir a cidade, percorre a rua mais antiga desde o início, que fica próximo ao local onde os açorianos construíram seus primeiros ranchos e era conhecida no século XVIII como Ponta das Pedras.
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2) Memórias da Praça da Alfândega: primeiro centro comercial de Porto Alegre que ficava à beira do Guaíba e avançava até a atual Rua Sete de Setembro, era conhecida como Largo da Quitanda e Praça do Comércio.
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3) É Marechal Deodoro, mas pode chamar de Praça da Matriz: pergunte a um morador de Porto Alegre onde fica a Praça Marechal Deodoro e ele provavelmente hesitará ou dirá que não sabe. Afinal, quem conhece a Praça da Matriz por seu nome oficial?
4) Antigualhas: homenagem ao primeiro cronista de Porto Alegre, nascido Antônio Álvares Pereira, em 1806, o jornalista, político, professor e autor de livros didáticos ganhou o apelido Coruja nos tempos de escola.
5) No tempo da Praça do Portão: até 1845, Porto Alegre era uma cidade cercada. Na atual Praça Conde de Porto Alegre, ficava o portão por onde se entrava e saía.
6) Pegadas africanas: a história de Porto Alegre costuma ser contada a partir de uma perspectiva eurocêntrica, mas homens e mulheres negros de diversas origens vivem nela desde que os primeiros portugueses instalaram suas sesmarias.
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7) Na margem de um lago-rio: é impossível pensar em Porto Alegre sem o Guaíba. Lago ou rio? Tanto faz.
8) Área indígena: a região onde hoje está Porto Alegre já era habitada por povos indígenas há mais de 10 mil anos. Do hábito de tomar chimarrão ao vocabulário, como o nome do Guaíba, as culturas indígenas ajudaram a moldar a história de Porto Alegre.
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9) Marcas da ditadura: o Rio Grande do Sul foi o Estado que mais teve locais de violação de direitos humanos durante a ditadura civil-militar. No Centro Histórico, existem vários lugares de memória da repressão e da resistência.
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10) Diversidade religiosa: no Centro de Porto Alegre, todos os caminhos levam a Deus, Alá ou a algum orixá. Caminhando pelas principais ruas, não é difícil encontrar uma igreja, mas também há locais de culto quase escondidos, muitos de enorme valor histórico e cultural.
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11) Rumo à Zona Norte: em 1806, o governador Paulo José da Silva Gama mandou abrir uma nova via de acesso à vila de Porto Alegre, que logo ficou conhecida pelo nome de Caminho Novo. Em 1870, essa rua, que margeava o Guaíba, recebeu o nome de Voluntários da Pátria.
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12) Ícones da arquitetura: nas primeiras décadas do século XX, Porto Alegre viveu um boom imobiliário e se expandiu em direção às alturas. Neste roteiro, a proposta é conhecer alguns dos prédios mais representativos do período compreendido entre os anos 1910 e 1950
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13) Literatour: um passeio literário: no início do século XX, poetas se reuniam em praças e cafés do Centro. Hoje, memoriais preservam essa história, e a literatura anda solta pelas ruas, em bibliotecas, sebos e livrarias.
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