Bala na Cara, Antibala e Manos: RS reúne o maior número de facções do país - créditos Fabíola Perez/UOL
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Bala na Cara, Antibala e Manos: RS reúne o maior número de facções do país
O Rio Grande do Sul é o estado com maior número de organizações criminosas do país. Segundo o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), são ao menos 15 grupos disputando o poder em cidades gaúchas. Dados divulgados pelo 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram como o conflito intensifica a violência e aumenta o número de mortes.
Relação entre mortes e facções
O Rio Grande do Sul registrou 2.154 mortes violentas intencionais no ano passado. Em 2021, foram 2.073 mortes. Os números indicam um crescimento de 3,8%. A capital Porto Alegre registrou um aumento de 24,8% no número de mortes violentas intencionais — o terceiro maior aumento percentual do país, segundo dados do Anuário.
O aumento das mortes violentas intencionais está relacionado ao acirramento dos conflitos entre as organizações que disputam o poder no estado. A pesquisadora do FBSP e doutoranda em Sociologia da Universidade de São Paulo, Betina Barros, afirma que as mortes atingiram o ápice em 2017 com o conflito deflagrado das facções e, a partir de 2019, o cenário começa a se arrefecer.
Há sinais de um recrudescimento entre os grupos que impacta no número de mortes, segundo Rodrigo Azevedo, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Escola de Direito da PUC-RS. "A situação dos mercados ilegais é muito fragmentada no estado. Esses grupos se aliam e depois essas alianças são rompidas. A migração de um traficante de um grupo para outro leva a muitos acertos de contas."
Esses grupos estabelecem acordos entre si para controlar o número de mortes no estado, afirma Marcelli Cipriani, socióloga e doutoranda em sociologia pela UFRGS.
Força Nacional foi chamada após morte de mulher na frente da filha. Em agosto de 2016, uma mulher foi morta na frente de uma escola no bairro Higienopólis, região nobre de Porto Alegre. Devido ao caso, o então secretário estadual de segurança, Wantuir Jacini, pediu exoneração, e o governador na época, José Ivo Sartori (MDB), montou um gabinete de crise e solicitou a presença da Força Nacional na cidade. As tropas só deixaram a capital gaúcha quase três anos depois.
Disputas na capital e no interior
As duas maiores facções do estado são os Balas na Cara e os Manos. "A capacidade de impactar o mercado das drogas do ponto de vista do atacado é algo que fica restrito às duas. As demais têm uma atuação mais local", diz a socióloga da UFRGS.
A disputa no estado se dá em função do mercado local para o consumo de drogas. "A região Norte se tornou um grande ponto de disputa pelo domínio sobre o corredor de drogas. Já o Rio Grande do Sul está isolado. Com isso, não há interesse das grandes facções em 'investir' no estado. O estado não é um centro distribuidor de drogas", diz Azevedo.
As organizações criminosas vivem um momento de 'interiorização' no Rio Grande do Sul. "O aumento da violência no estado tem muito a ver com a interiorização desses grupos. Em certas cidades mais estratégicas, a configuração de força não é a mesma vista no resto do estado", afirma Marcelli.
Não à toa, dois municípios gaúchos ficaram entre as 50 cidades mais violentas do país com população com mais de 100 mil habitantes. Rio Grande ficou em 24º lugar, com uma taxa de 53,2 mortes violentas por 100 mil habitantes, e Alvorada figura em 41ª posição, com taxa de 44,8.
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Quero receberA disputa entre as facções pode estar chegando a municípios menores, segundo Azevedo. Em Rio Grande, o conflito se dá entre os Manos e os Tauras, grupos rivais que atuam há mais tempo. No município, o mercado consumidor é considerado significativo, ao contrário de municípios menores.
Facções e grupos gaúchos
Entre os principais grupos estão Manos, Bala na Cara e os Antibala — uma espécie de 'coalizão' entre grupos contrários aos Bala na Cara. Entre as organizações menores estão: os Abertos, Tauras e V7. Por fim, há ainda outros grupos como Comando Pelo Certo, Farrapos, Unidos pela Paz, Vândalos, Mata Rindo, Grupo K2, Cebolas, PCI e PCC.
O grupo Bala na Cara (BNC) surge nas ruas de Porto Alegre, e não no interior dos presídios. Betina, do FBSP, afirma que a organização fez uso da "violência extrema" como marca registrada. O autor dos livros "Falange Gaúcha" e "Paz nas prisões, guerra nas ruas", Renato Dornelles, afirma que o BNC era conhecido por "tomar" pontos de drogas de outros grupos.
Os Manos ostentam um armamento mais pesado em comparação com as demais. Isso porque, segundo Betina, o grupo realiza roubos a instituições financeiras em cidades do interior do estado - não apenas na capital. Hoje, o grupo tem diferentes níveis hierárquicos, semelhante à estrutura do PCC em São Paulo.
Em 2016, grupos menores se organizaram, encabeçados pelo V7 em oposição aos Bala na Cara, e criaram os Antibala. Segundo os pesquisadores, o grupo é uma espécie de coalizão com discurso contrário aos BNC.
Diferentemente da maioria dos estados, em que o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) têm maior influência, as facções do RS têm mais autonomia. "Eles estão presentes, mas muito mais como uma 'rede comercial', grupos com que as facções têm negociações, mas não impactam como no Norte e Nordeste", diz Marcelli.
Cadeia Pública de Porto Alegre
Parte das organizações criminosas do estado nasceu na Cadeia Pública de Porto Alegre. Construída na década de 1950, a instituição é conhecida pelo antigo nome de Presídio Central.
Os primeiros indícios de organização no crime no estado aparecem no fim dos anos 1980, com a criação da facção Falange Gaúcha, inspirada no Comando Vermelho, do Rio. "Mas logo que surge é atravessada por disputa internas", diz Marcelli.
A partir da Falange Gaúcha, nasceram os Manos e os Brasas no interior do presídio. Na época também surgiu o grupo dos Abertos — a partir de presos que diziam "vou me abrir" para se referir à saída da facção. Os três grupos deram início a uma série de conflitos na unidade.
A segurança do presídio passou a ser feita pela Brigada Militar do estado em 1995. Segundo Dornelles, a Brigada tentou contar com a colaboração de um grupo de presos para atuar na segurança do presídio, mas a ideia não funcionou.
Entre 2006 e 2010, Dornelles afirma que o presídio passou a ser dividido em galerias. Com isso, os conflitos deram origem a um cenário de controle.
Em 2005, surgiram os primeiros sinais da presença da facção dos Bala na Cara. O grupo atuava com execuções violentas no bairro Bom Jesus, na zona leste da capital. "Nos anos 2000, os grupos passam a sair dos presídios e ir para as ruas em busca do tráfico de drogas. O tráfico começa a ser incorporado no próprio funcionamento dos grupos", afirma Marcelli.
O que diz o governo
O governo do Rio Grande do Sul afirma que "a maioria das mortes violentas no Estado está associada ao tráfico de drogas e a disputa entre grupos criminosos." A Secretaria de Segurança Pública informou que "devido ao reforço das ações de segurança e aumento dos investimentos no combate à criminalidade, o estado vem reduzindo, mês a mês, os índices, como verificado no primeiro semestre de 2023."
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