EDUCAÇÃO - Sob críticas de ‘divisão da categoria’ e ‘traição’, Assembleia aprova reajuste dos professores
Sob críticas de ‘divisão da categoria’ e ‘traição’, Assembleia aprova reajuste dos professores.
Proposta reajusta em 32% o salário-base dos professores, mas grande parte da categoria receberá percentuais menores Por Luciano Velleda - Sul21
A Assembleia Legislativa aprovou na tarde desta quarta-feira (22), por 38 a favor e 2 contra, a proposta do governo Eduardo Leite (PSDB) de reajuste para os professores estaduais, que estavam há sete anos com salários congelados. O reajuste tem o objetivo de adequar o salário dos professores gaúchos ao Piso Nacional do Magistério, que será reajustado em 2022 em 32%, mas esse percentual será concedido apenas ao salário inicial da carreira, com a grande maioria dos professores recebendo percentuais menores. A expectativa era de que a oposição, composta por PT, PDT e PSOL, poderia votar a favor da proposta, mas os parlamentares decidiram se abster da votação em razão de divergências com o projeto.
Com as galerias da Assembleia cheias de educadores, a sessão foi marcada por muitos gritos, vaias e protestos de insatisfação de professores e representantes da categoria. Em mais de uma ocasião, o presidente da Casa, deputado Gabriel Souza (MDB), optou por suspender os debates.
O projeto de lei aprovado nesta quarta é uma segunda versão da proposta do governo do Estado. Inicialmente, 30.933 professores aposentados não receberiam qualquer aumento. Isso ocorre porque, na prática, o governo está concedendo o reajuste de 32% no subsídio básico dos professores e não no salário que recebem. Além disso, o reajuste está “comendo” uma parte dos salários que é referente a benefícios de carreira, como triênios, que foram extintos com a aprovação do novo Plano de Carreira do Magistério no início de 2020.
Na ocasião, o salário dos professores foi dividido em três partes: o subsídio básico, uma parcela autônoma e uma parcela de irredutibilidade. As duas parcelas eram referentes justamente aos avanços nas carreiras, sendo que, pelo Plano de Carreira, a autônoma poderia ser absorvida quando da concessão de reajustes — isto é, seria reduzida à medida que o salário-base aumentasse, configurando, na prática, um não reajuste — e a de irredutibilidade permaneceria com os professores.
Pressionado pela base aliada que não viu com bons olhos o fato de parte da categoria não receber qualquer reajuste, o governo encaminho o segundo projeto, que garante um reajuste mínimo de 5,53% a todos os professores, incluindo os aposentados. Contudo, o projeto extingue o mecanismo que impedia que a parcela de irredutibilidade também fosse absorvida no caso de futuros reajustes, o que trouxe indignação aos professores.
“O que o governo está fazendo agora: ele apresentou nesse substitutivo que, a partir de agora, em todos os reajustes futuros, o governo pode tirar de dentro dessa parcela de irredutibilidade. Isso quer dizer o quê? Os professores que têm mais tempo de carreira poderão, no futuro, não ter reajuste nenhum e simplesmente ele tirar da parcela de irredutibilidade, que já é nossa, e botar no nosso salário. É bom para a sociedade entender, ele dá 5,53%, mas tira da nossa parcela de irredutibilidade 26,47%. Então, o governo, para chegar nos 32%, ele dá 5,53% e o professor entra com 26,47% do seu próprio contracheque. Isso é um escândalo que está acontecendo”, diz a presidente do Centro dos Professores do Estado, Helenir Aguiar Schürer.
Helenir pontua ainda que está ocorrendo uma “traição” por parte de deputados da base aliada que, quando das discussões sobre o Plano de Carreira do Magistério, negociaram com o sindicato a construção da parcela de irredutibilidade como um mecanismo para garantir a preservação de alguns dos avanços da carreira que estavam sendo eliminados pelo governo.
“Nós nos sentimos enganados, no mínimo, ou traídos. Porque, se é verdade que o governo desrespeita e manda essa proposta dessa forma para a Casa, se a Casa aprovar, já que foi a base do governo que aprovou a parcela de irredutibilidade, é uma traição dessa parcela da base do governo conosco”, afirma.
A presidente do Cpers acrescentou ainda que os aposentados já haviam sido usados para “sanar o Estado” quando passaram a pagar uma alíquota de 14% de contribuição previdenciária a partir da Reforma da Previdência, o que é superior ao reajuste concedido agora aos inativos.
Em conversa com a imprensa, o líder do governo na Assembleia, deputado Frederico Antunes (PP) afirmou que “o governo está pagando uma boa parte da categoria com 32% de aumento”. Mas, pela proposta aprovada, apenas os professores em início de carreira terão o reajuste de 32%, pois são aqueles que não possuem as parcelas autônoma e de irredutibilidade como parte de seus salários. Como o último concurso para o Magistério gaúcho foi realizado ainda no governo Tarso Genro (PT), apenas os professores temporários, que ganham apenas o básico e estão em início de carreira, terão um reajuste efetivo de 32%. Quanto mais tempo o profissional tem de carreira, menor será o reajuste concedido.
Uma segunda crítica do sindicato é quanto ao fato de nenhum tipo de reajuste ter sido estendido aos funcionários de escola, o que inclui monitores, secretários, auxiliares de cozinha, merendeiras, entre outros, e também aos professores aposentados que ingressaram no Estado a partir de 2003 e perderam a paridade com os profissionais da ativa.
“Pela primeira vez na história do Rio Grande do Sul, o governo divide a categoria, porque em todos os outros governos a gente conseguiu negociar que tudo que era dado aos professores era estendido aos professores que tinham perdido a paridade e aos funcionários de escola. Desta vez, o governo está dando para os professores, tirando fora os 9 mil e pouco professores que perderam a paridade e os 24 mil servidores de escola que terão zero de reajuste. Então, é extremamente ofensivo para a categoria, porque nós nos enxergamos como servidores de educação, não existe escola sem servidores, não funciona. Os servidores que, durante a pandemia, foram os mais expostos, porque tinham que fazer plantão para manter a higienização para quem fosse às escolas, estão sendo preteridos pelo governo, desconhecidos pelo governo”, afirma Helenir.
Durante a sessão, a maioria dos parlamentares que compõem a base aliada permaneceu em silêncio, enquanto os parlamentares de oposição, que defendiam a melhoria da proposta, e do partido Novo, que deu os dois únicos votos contrários, se alternaram na tribuna.
Uma exceção foi o deputado Sérgio Turra (PP), que afirmou que o reajuste “não é o ideal nem o desejado, mas é o possível pra pagar o Piso (nacional)” e criticou o ex-governador Tarso por ter assinado a criação do mecanismo do Piso quando ministro da Justiça, em 2008, e não ter pago quando governador, entre 2011 e 2014.
Até ontem, a expectativa era de que a oposição pudesse votar a favor do reajuste proposto para não ficar marcada por ter votado contra o primeiro reajuste concedido aos professores em sete anos. Contudo, nesta quarta, os parlamentares optaram pela abstenção.
“Nossa posição é de denúncia de um mecanismo maquiavélico, de mentir que o governo do Estado está pagando o piso para os profissionais da educação. Por que mentir? Porque ele está pagando esse reajuste em cima de uma parte do salário apenas. A primeira questão é que o reajuste do piso está aplicado só sobre o subsídio, que é uma parte pequena do salário. Mas é muito pior que isso, porque não está aplicando só sobre o subsídio, ele está extinguindo um mecanismo que trava o ele queria impor no ano passado, de que essa parcela seria engolida por reajustes para ir adequando o salário à nova tabela”, diz a deputada Sofia Cavedon (PT).
Para a deputada, é inaceitável que o governo do Estado tenha implementado, no Plano de Carreira, o mecanismo que permite que vantagens conquistadas sejam extintas mesmo para os profissionais que recebiam o benefício antes da mudança da lei.
“Ano que vem, quando tiver que reajuste do piso de novo, ele vai incidir sobre uma parte e comer o resto que os servidores tinham conquistado na sua carreira, tanto os da ativa, quanto os inativos. Portanto, é uma retroatividade, tu muda a carreira, diminui bem o salário, e retroage a todos os aposentados, não importa se estão aposentados há 10, 20 ou 30 anos. É um mecanismo que, em outros tempos, seria declarado ilegal, mas ele é imoral — a legalidade vai ser discutida depois. Ele é imoral, porque ele pisoteia a história, aniquila todas as conquistas construídas de 100 mil professores e professores. Que criasse uma nova regra daqui para frente, que eu poderia discordar da regra. Mas o que ele faz é a retroação. Com isso, ele diz que está pagando o piso. Só que, de 32%, na massa, ele vira no máximo 10%. Para os aposentados, é menos”.
O governo defende que a proposta aprovada pela Assembleia vai garantir um reajuste médio efetivo de mais de 22% para os cerca de 60 mil profissionais da ativa, o que seria maior que a variação do INPC (19,5%) acumulado desde o início de 2019, quando Leite assumiu o governo. Contudo, a oposição argumenta que o governo está vendendo a ideia de reajuste de 32% quando, na prática, os R$ 730 milhões de impacto previsto pelo reajuste aprovado significam pouco mais de 10% da folha salarial da categoria, que gira em torno de R$ 7 bilhões ao ano.
A deputada Juliana Brizola (PDT) subiu na tribuna para contar que, ao receber a primeira versão da proposta de reajuste, a base aliada do governo Leite disse que não votaria se não houvesse algum aumento para os aposentados. Os aliados “atravessaram a rua” e o governo então apresentou a segunda proposta, com 5% de aumento para os aposentados. Para Juliana, o aumento é uma “mentira”.
“O povo gaúcho já sabe que o governador mente. Disse que faria plebiscito e não fez, disse que não venderia a Corsan e vendeu. A proposta do governo não foi melhorada, ela foi piorada”, afirmou a deputada, destacando que o reajuste sairá da própria parcela autônoma dos educadores. “Leite mentiu de novo. Só não sei se a base aliada compactuou ou vai dizer que foi enganada pelo governador. Porque assim é fácil dizer que deu aumento e ganhar manchete de jornal. Os professores vão pagar o próprio reajuste e isso é uma vergonha.”
A oposição tentou ainda apresentar uma emenda que garantia que os funcionários de escola receberiam o aumento, mas o governo conseguiu barrar a apreciação de qualquer emenda ao colocar em votação um requerimento de preferência para a votação do projeto como apresentado pelo Executivo.
Sofia Cavedon destaca que, além de também estarem sem reajuste desde 2014, estes servidores foram muito prejudicados com as mudanças e extinções promovidas pelo Plano de Carreira. Além disso, pontua que os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que serão aumentados em 2022, também deveriam ser destinados para essa parte da categoria.
“Algumas gratificações que foram reduzidas para professores e funcionários, como o difícil acesso, eles perderam um dinheiro vivo, real. Os funcionários de escola, em média, ganham R$ 1,4 mil, para 40 horas. Por que a gente diz que eles têm que ser reajustados e não é como o restante do funcionalismo? Porque eles são pagos também pelo Fundeb, pela vinculação com a educação. O que governo tem que necessariamente usar para a educação compreende os funcionários de escola. Então, é da mesma fonte da educação e sempre foi uma conquista os funcionários receberem o mesmo reajuste dos professores. São os que menos ganham, que tiveram muitas perdas nas gratificações, que já eram poucas, são financiados pela mesma fonte e sempre tiveram essa isonomia”, afirma.
A votação foi encaminhada logo após o pronunciamento do líder do governo. Quando Frederico Antunes terminou de falar, algumas pessoas no andar superior da galeria começaram a despejar leite em pó no plenário, numa referência ao sobrenome do governador. “Quem tira o leite das crianças são vocês, não somos nós”, gritaram. A segurança da Casa interviu e as pessoas foram retiradas da galeria.
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